Economistas e médicos questionam eficácia do Imposto Seletivo

A reforma tributária criou um novo imposto para desestimular o consumo de bebidas açucaradas, mas especialistas defendem que outros alimentos ultraprocessados recebam a tributação

A reforma tributária aprovada pelo Congresso criou um novo tributo: o Imposto Seletivo (IS). O objetivo é desestimular, através da taxação, o consumo e a produção de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Os refrigerantes serão um dos primeiros itens a receber a tributação.

Economistas e médicos questionam eficácia do Imposto SeletivoDe acordo com o texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a alíquota máxima de Seletivo que poderá ser cobrada será de 2% sobre as bebidas açucaradas. Senadores defendem que o imposto poderá reduzir o consumo do produto, diminuindo o impacto na obesidade e outros problemas crônicos de saúde.

O IS também tributará bebidas alcoólicas, cigarros, combustíveis fósseis, veículos poluentes, bets e mineração. Porém, entre os alimentos ultraprocessados, apenas o refrigerante será taxado. Por isso, especialistas ouvidos pela CNN defendem que a taxação de um único produto, como o refrigerante, não é o suficiente para combater a obesidade no Brasil.

“Seria muito simplista imaginar que taxando refrigerante nós resolveríamos o problema da obesidade, que é muito mais complexo”, afirma Marcio Mancini, chefe do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

“Para resolver a obesidade, é preciso envolver outros alimentos que deveriam ter sido taxados também, e que não foram, e envolver a propaganda desses produtos. É algo bem mais complexo”, acrescenta.

Economistas defendem que taxação de refrigerantes é ineficaz

Recentemente, um artigo publicado por três professores da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP) critica o Imposto Seletivo sobre refrigerantes. Na visão dos autores, taxar o refrigerante pode ser ineficaz, pois o produto representa uma parcela pequena da ingestão calórica total dos brasileiros (1,3%), de acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar, de 2017/2018, do IBGE, enquanto o açúcar é consumido por 80% das famílias brasileiras.

Além disso, eles defendem que o aumento do imposto sobre refrigerante pode gerar distorções, como o crescimento do consumo de açúcar puro (que é um alimento presente na cesta básica e cuja taxa de importação foi zerada), além de impactar a população mais pobre.

“Os consumidores mais pobres são os que vão perder mais com essa medida, pois vão tender a consumir mais refresco em pó adoçado com açúcar”, afirma Márcio Holland, professor da EES-FGV e um dos autores do estudo.

“Quando você majora preços de um bem, a pergunta feita é se vai reduzir a demanda por aquele bem, ou seja, se a pessoa vai deixar de consumir o produto conforme o aumento do preço, e se ele vai substituir por outro mais saudável (…). No final do dia, não é isso que acontece. Como o brasileiro é muito pobre, a renda per capita é baixa, a tendência é que ele substitua por refresco em pó, adoçado com açúcar, ou outros produtos mais prejudiciais à saúde.”

No artigo, os pesquisadores citam casos de outros países, como México e Chile, que adotaram o imposto seletivo sobre bebidas açucaradas, mas que mantêm uma taxa elevada de obesidade: 37% e 31% de cada população, respectivamente.

“Esses são apenas alguns casos ilustrativos de que a tributação pode não ser um instrumento efetivo no controle da obesidade, visto seu caráter multidimensional”, escrevem os autores no estudo.

Médico defende que taxar somente refrigerantes não resolve problema

Apesar de achar que o refrigerante não deve ser o único produto taxado, Mancini ressalta que o produto é prejudicial à saúde e defende o Imposto Seletivo. “Além de aumentar o risco de obesidade, o consumo excessivo de refrigerante aumenta o risco de diabetes, doença cardiovascular e mortalidade por essas doenças e uma série de outros problemas. É um produto que não faz bem à saúde”, afirma. “A minha defesa é que todos os produtos açucarados deveriam ser taxados”.

A posição de Mancini vai ao encontro de outros especialistas da área da saúde. A endocrinologista Maria Edna de Melo, chefe da Liga de Obesidade Infantil do HCFMUSP, aponta que o Imposto Seletivo é uma medida importante, mas que outros produtos também devem ser incluídos na tributação.

“O problema do Imposto Seletivo hoje é que ele é só para refrigerante. Não há, ainda, uma abrangência maior”, afirma Melo. “Já está bem estabelecido pela ciência que o refrigerante causa danos, mas é preciso uma estratégia melhor para colocar outros produtos nessa taxação (…). Nós temos hoje, na cesta básica, a isenção de tributos para vários alimentos saudáveis, mas é inexplicável como alguns alimentos que não são saudáveis entraram na cesta, como, por exemplo, o macarrão instantâneo”, acrescenta.

A especialista ressalta, ainda, que a obesidade é multifatorial, ou seja, existem diversos fatores que estão associados ao seu desenvolvimento, incluindo questões genéticas e de estilo de vida. Um deles é a alimentação baseada em ultraprocessados.

“Os alimentos que mais contribuem para o desenvolvimento de obesidade na população são os ultraprocessados. Alguns países, por exemplo, no Reino Unido e nos Estados Unidos, em que o consumo de alimentos ultraprocessados é de 60%, os índices de obesidade chegam a mais de 40%”, afirma Melo.

“Esses alimentos não são feitos para nutrir, simplesmente são feitos para vender. Eles são produzidos de forma hiperpalatável para serem consumidos cada vez mais às custas de uma boa quantidade de gordura, de sal e de açúcar”, completa.

O endocrinologista Bruno Geloneze, pesquisador e professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também defende que a taxação de refrigerantes e outros produtos ultraprocessados pode ser eficaz no combate à obesidade.

“A taxação pode reduzir o consumo de ultraprocessados e, mais do que isso, no médio e longo prazo pode aumentar o consumo de alimentos saudáveis, principalmente quando há um deslocamento da arrecadação desse tipo de produto para algum tipo de redução de imposto ou, eventualmente, subsídio daquilo que é antiobesogênico ou anti-diabetes e é promotor de saúde”, afirma.

Para embasar seu posicionamento, Geloneze cita uma série de artigos científicos recentes. Um deles, publicado neste ano na revista Health Economics, mostrou que a sobretaxação de bebidas açucaradas (como o refrigerante) diminuiu em 50% o consumo desse tipo de produto nas populações de baixa renda e em 18% nas de renda alta.

Outro estudo, publicado em 2021 na Plos Medicine, mostrou que a taxação de bebidas açucaradas reduziu o consumo de açúcar e, também, o de produtos ultraprocessados. Já um trabalho publicado na Lancet Planet Health sugere que a redução de 20% no preço de alimentos saudáveis levou a um aumento de 16,6% do aumento desses produtos.

Outras políticas públicas precisam ser adotadas para combater obesidade

Por se tratar de uma doença complexa e multifatorial, os especialistas defendem que outras políticas públicas sejam adotadas para combater a obesidade, além da taxação de alimentos danosos à saúde. É o caso da regularização de publicidade de alimentos ultraprocessados, principalmente para o público infantil.

“A propaganda de alimentos, principalmente dirigida para as crianças, é muito nociva”, afirma Mancini. “E esses produtos, nos supermercados, são colocados em prateleiras mais baixas, justamente para que a criança consiga pegar e colocar no carrinho. É um marketing muito agressivo”, opina.

Para Melo, é preciso aprimorar a cesta básica. “Ela já evoluiu e melhorou muito, mas precisamos diminuir o acesso a alimentos que são prejudicais e dar mais acesso a alimentos mais saudáveis”, afirma.

Já para Geloneze, é fundamental incentivar a prática de atividade física desde a infância, oferecendo espaços seguros para isso. “É preciso ter mais ciclovias, praças, parques, entre outros, e incentivar a diminuição do uso de telas”, diz.

 

Fonte: CNN